Menos tempo e mais dúvidas

A partir de dezembro deste ano, a Regulação Europeia sobre Desmatamento (EUDR) finalmente terá seus efeitos em vigor, motivo de crescente preocupação entre governos, produtores e comerciantes. De forma sintética, a nova norma busca proibir a entrada e circulação de produtos de sete commodities no mercado da União Europeia (UE) sempre que originados de regiões desmatadas, sendo eles soja, gado, óleo de palma, madeira, cacau, café e borracha natural.

Nesse cenário, países produtores e exportadores de commodities serão potencialmente os mais afetados, visto que precisarão se adequar à norma para inserção de seus produtos no mercado da UE. Isso é um desafio, uma vez que esse processo de adaptação pode gerar grandes custos. O Brasil, em especial, é um dos principais países impactados, uma vez que direciona grande parte de sua produção nacional para exportação à UE, como café.

Diante disso, grande problema é a ainda incerteza quanto a diversos aspectos referentes ao que podemos chamar de implementação indireta nos países a serem afetados, como o Brasil, o que tem gerado variadas manifestações globais no sentido de pleitear a postergação de seus efeitos.

Nesse sentido, salienta-se que a EUDR contou apenas com um período de transição de 18 meses. A título de comparação, o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), outra norma controversa também promulgada pela UE que funciona como uma tarifa sobre produtos que contribuem para a emissão de carbono, conta com um período de transição inicial que vai até 2026.

Ante o desafio, crescem as pressões por maiores detalhamentos quanto aos dispositivos da norma. Salienta-se que, até então, dúvidas têm sido dirimidas pelo portal da UE de “Perguntas Frequentes” (FAQ), mas ainda de forma insuficiente. Por exemplo, não se estabeleceu até o momento metodologia para definição de grau de risco de um país (benchmarking). Segundo resposta da Comissão Europeia em julho, estaria sendo trabalhada uma metodologia sólida e científica, mas a mesma ainda não foi divulgada.

Nessa linha, outros exemplos incluem problemas com definições, como a falta de diferenciação entre desmatamento ilegal e legal, sendo que este possui previsão legal no Brasil. Outro problema é a adoção pela EUDR da definição de floresta da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o que não incluiria biomas como o Cerrado e a Caatinga. Destaca-se que, tanto no nível internacional, como no próprio Brasil, não há um consenso quanto à definição de florestas. Por fim, alguns conceitos utilizados pela norma europeia não consideram especificidades de cada país, como a definição de Pequenas e Médias Empresas.

Destaca-se que ditas incertezas também se referem à atual redação da norma. Exemplo claro é a distinção entre operador e comerciante, em que o primeiro se trata daquele que, no âmbito de uma atividade comercial, coloca os produtos regulados no mercado da UE ou os exporta; ao passo que o segundo se trata de qualquer um que não o operador que, também no decurso de uma atividade comercial, disponibilize ditos produtos no mercado europeu. Ante essas definições, dúvidas surgem em relação à classificação de produtores, exportadores, importadores e distribuidores no âmbito da EUDR, dependendo, portanto, de uma análise caso a caso que ainda não conta com precedentes.

Além disso, constatam-se desafios de natureza prática como pela necessidade de utilização de sistemas de monitoramento e rastreabilidade visando garantir a regularização de áreas florestais. O Brasil, por exemplo, já possui um amplo arcabouço de proteção ambiental, o que inclui o Código Florestal Brasileiro e programas e ferramentas como o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o Selo Verde Brasil, o projeto de monitoramento PRODES e sistema Sisbraar. No entanto, ditos mecanismos devem estar em constante evolução para se adequarem à EUDR, ainda mais se considerando a falta de clareza quanto a diversos critérios.

Apesar de um válido objetivo de se buscar fortalecer o arcabouço ambiental, a EUDR promete trazer alguns desafios para sua implementação, requisitando uma mobilização para sua discussão e adequação. Nesse caso, salienta-se o protagonismo daqueles que se debruçam nessa pauta para assessorar os principais afetados pela norma, pois, diante dessas dúvidas, a única certeza que temos é que precisamos nos preparar.

*As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), não refletindo necessariamente a posição institucional da FGV.

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Autor: Paula Wojcikiewicz Almeida

Professora da FGV Direito Rio, coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges, co-financiado pela Comissão Europeia. Doutora summa cum laude em Direito Internacional e Europeu pela École de droit de l’Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

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